VEDOMOSTI: Portão para a América do Sul
Autores:
Denis Kuznetsov, professor associado, vice-diretor do departamento de processos políticos globais da MGIMO, Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Ph.D.
Yuliana Titaeva, chefe da Agência de Desenvolvimento de Cooperação Bilateral Rússia-Brasil.
A Rússia deve trazer sua influência suave ao Brasil e fazê-lo imediatamente.
As relações diplomáticas entre a Rússia e o Brasil foram estabelecidas há 195 anos, em 3 de outubro de 1828 - pouco depois da independência do gigante tropical. O diálogo político entre os dois países se desenvolve no formato de parceria estratégica, conforme estipulado no acordo assinado em 2005. No início de 2023, o Brasil foi novamente liderado por Luiz Inácio Lula da Silva, o mesmo presidente com quem a Rússia ajudou a criar o BRICS. No entanto, apesar dos contatos políticos bastante estreitos, no nível empresarial e social, Rússia e Brasil ainda estão muito distantes um do outro.
Hoje em dia, estamos observando um desenvolvimento intenso das relações comerciais e sociais com a China, a Índia, os países do Oriente Médio, a Turquia e, recentemente, com os países africanos. No entanto, o Brasil parece estar à margem. O potencial das relações bilaterais está sendo realizado apenas em pequena medida.
Em 2022, o volume de comércio entre a Rússia e o Brasil atingiu um recorde de US$ 10 bilhões, o que representa cerca de 30% de todo o comércio entre a Rússia e a América Latina. No entanto, considerando que ambos os países estão entre as 15 maiores economias do mundo, esse nível de comércio é muito baixo. Para efeito de comparação, no ano passado, o Brasil negociou US$ 88,7 bilhões com os Estados Unidos e US$ 152,8 bilhões com a China.
O Brasil compra principalmente fertilizantes russos e diesel, enquanto a Rússia adquire carne e soja brasileiras. Ou seja, há uma troca de produtos com baixo valor agregado. Segundo estimativas da Câmara de Comércio Brasil-Rússia, o potencial do nosso comércio bilateral é de pelo menos US$ 100 bilhões por ano. Esse indicador pode ser alcançado através do aumento do volume de comércio de matérias-primas, incluindo trigo, bem como de produtos acabados, como equipamentos industriais, cosméticos, produtos farmacêuticos e produtos da indústria leve.
O nível de intercâmbio de estudantes não é tão elevado. Na Rússia, cerca de 800 estudantes do Brasil estão matriculados, enquanto nos Estados Unidos, o número chega a cerca de 14.000 estudantes. No Brasil, o balé russo clássico, a literatura e a arte são muito populares. Os dois "Casas Russas" do Rossotrudnichestvo (em Brasília e São Paulo) e a Escola do Grande Teatro no estado de Santa Catarina não são suficientes para atender a esse interesse. As escolas de balé locais enviam seus alunos em viagens educacionais com mais frequência para os Estados Unidos do que para a Rússia.
A questão é a seguinte. Apesar do interesse dos brasileiros na cultura russa, não se formou uma imagem atualizada da Rússia no Brasil. Continuamos a ser "países meio míticos" um para o outro. Nos círculos empresariais e sociais do Brasil, somos percebidos como algo intermediário entre a Rússia czarista e a União Soviética da Segunda Guerra Mundial; um país distante e frio, altamente militarizado, com ursos e bailarinas que leem Dostoiévski. Isso se deve não apenas aos 14.000 quilômetros que nos separam: há também pouca atenção à diplomacia pública, falta de literatura e análise popular sobre o assunto, e um ruído de informação significativo que mancha a imagem da Rússia sob a influência da diplomacia pública americana.
O que fazer então? Para estabelecer um diálogo empresarial e social, é necessário reforçar o componente da suavidade russa e fazê-lo sem demora.
É estrategicamente importante trabalhar no aumento do intercâmbio de estudantes. E não se trata apenas do número de vagas. A Rússia muitas vezes segue a prática da URSS e educa estudantes em profissões "para a vida": médicos, engenheiros, especialistas em artes. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos focam na formação de futuros líderes estrangeiros em suas universidades - aqueles que, a longo prazo, ocuparão posições nas estruturas governamentais e tomarão decisões que influenciam a política externa dos países.
Deve-se considerar o aumento dos orçamentos para promover a agenda nacional no Brasil, com ênfase no uso de ferramentas modernas de marketing e relações públicas. Isso envolve o financiamento do corpo consular-diplomático, trabalho de informação local: é necessário realizar recepções, abrir centros culturais, contratar especialistas para lidar com redes sociais, imprensa e a comunidade local.
O desenvolvimento de programas culturais e o trabalho com líderes de opinião nos setores empresarial, de entretenimento e turismo são de grande importância. Recentemente, os Ministérios da Cultura da Rússia e do Brasil anunciaram planos para assinar um Memorando de Entendimento, bem como um Acordo de Cooperação na produção cinematográfica conjunta. O processo está em andamento, mas deve ser acelerado.
Não há dúvidas sobre a necessidade de lançar voos diretos de Moscou para São Paulo ou Moscou para o Rio de Janeiro. Sem conexões diretas, especialmente nas atuais condições, o desenvolvimento de contatos comerciais será extremamente difícil. Para efeito de comparação, apenas para Cuba, voos diretos na rota Moscou-Varadero são operados quatro vezes por semana. E apenas de janeiro a junho de 2023, de acordo com informações da Associação de Operadores de Turismo, foram registradas mais de 67.600 chegadas de nosso país a Cuba.
O custo médio de um voo direto de Moscou para Cuba é de 125.000 rublos, enquanto um voo com 1-2 escalas no Rio de Janeiro custa em média 250.000 rublos. Em setembro, o embaixador do Brasil em Moscou, Rodrigo de Lima Baena Soares, expressou interesse mútuo na criação de comunicações aéreas diretas, mas as discussões sobre esse assunto ainda estão em estágio inicial.
É evidente a ligação entre o aumento das relações econômicas e as questões de "consciência", imagem e soft power - sem uma compreensão clara mútua, todos os apelos para expandir os contatos comerciais estarão fadados ao fracasso. E, na situação internacional e política contemporânea, na qual se impõe um "inverno" no comércio global e a busca por estímulos para o crescimento das economias nacionais, a Rússia e a América Latina precisam um do outro como nunca antes. Está ocorrendo uma transformação na ordem mundial, uma redistribuição de poder. A competição pelo estabelecimento de parcerias prioritárias com os países do Sul Global se intensificou. A Rússia é participante dessa competição. Enquanto isso, o Brasil não só continua sendo um parceiro-chave da Rússia na região em questões estratégicas de política mundial, mas também, considerando a importância desse gigante tropical na política e economia regionais, é a porta de entrada para a América do Sul como um todo.